segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Jogadores iugoslavos e suas origens

     A finada Iugoslávia, como se sabe (ou se deveria saber), é um grande caldeirão étnico-religioso. Povos diferentes entre si que por décadas foram unidos sob a mesma pátria até a desintegração da mesma, na década de 90. O que sobrou da então Iugoslávia foram 7 "países". Eslovênia, Croácia, Sérvia, Montenegro, Kosovo (que a Sérvia afirma ser seu território), Macedônia e Bósnia Herzegovina. Muita coisa, não? Fica mais complicado ainda. Um território do norte da Sérvia, chamado Voivodina, também busca independência. E a Bósnia é separada em duas entidades autônomas: a Federação da Bósnia Herzegovina e a República Sérvia (não confundir com o país Sérvia), na qual predomina o povo sérvio, muitas vezes saudoso da Iugoslávia. Após a desintegração, o nome continuou Iugoslávia porém só compreendeu o território das atuais Sérvia, Montenegro, Kosovo e Voivodina. Em 2006, Montenegro declarou independência. Em 2008, foi a vez de Kosovo se declarar independente, sendo que a herdeira direta da Iugoslávia é a atual Sérvia.
     A Iugoslávia originalmente não era todos esses países juntos nem tinha esse nome. Após por muitos anos ser parte do Império Otomano - que viria a formar a Turquia, os sérvios e os montenegrinos conseguem independência dos otomanos (como países separados). Porém, grande parte do que viria a ser a Iugoslávia era parte do então Império Austro-Húngaro. Há, na Europa a ideia do nacionalismo muito em voga, o que impulsa o movimento pan-eslavista, que pregava a união dos povos eslavos. Inclusive, a ânsia pan-eslavista e nacionalista sérvia leva ao assassinato do Arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinando causando a Primeira Guerra Mundial, e com ela a dissolução da Áustria-Hungria. Parte do território austro-húngaro (esta parte que se declarou independente, formado o Estado dos Eslovenos, Croatas e Sérvios) decide se unir com o Reino da Sérvia (que na época também compreendia a Macedônia) e o Reino de Montenegro e forma o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, que em 1929, sob comando do Rei Alexandre I da Iugoslávia, vira Reino da Iugoslávia.
     Com a Segunda Guerra Mundial, a Iugoslávia sofre um golpe de estado e em seguida é invadida e dividida. Parte do território vai para países aliados do Eixo e outra parte se transforma em Estados fantoches, como o Estado Independente da Croácia, comandada por Ante Pavelic, chefe de um movimento católico-fascista chamado Ustase e o Governo de Salvação Nacional, que era no que hoje é a Sérvia, comandado por Milan Nedic.
     A partir de então surgem os partizans, que são uma guerrilha que lutava contra a dominação estrangeira. Os partizans são liderados por Josip Broz Tito - que seria presidente iugoslavo até sua morte, em 1980. E com apoio limitado das potências estrangeiras Aliadas, Tito consegue expulsar os alemães e italianos e forma, em 1945 a República Popular Federal da Iugoslávia, em 1963 renomeada para República Socialista Federal da Iugoslávia, baseado no nacionalismo eslavo, comunismo, autogestão socialista e independência tanto da URSS como dos EUA, liderando o Movimento dos Não Alinhados, que buscava reunir num grupo países que não se alinhavam politicamente nem com a URSS nem com os EUA durante a Guerra Fria. Após a morte de Tito em 1980, os movimentos independentistas ganham força e acabam por desintegrar o país, passando por guerras muito violentas.
     Muito se diz que se a Iugoslávia fosse hoje unida seria uma séria candidata a ganhar a Copa do Mundo. Porém o foi por muitos anos, havia apenas a seleção iugoslava, que conseguiu chegar até as semifinais de uma Copa do Mundo. Um de seus grandes times foi de 1990, que tinha em seu plantel jogadores como Pancev, Stojkovic, Boksic, Prosinecki e o grande Davor Suker, artilheiro da Copa do Mundo de 1998, na França. Uma união de tantos países só podia resultar em gente de muitos países diferentes jogando sob a mesma camisa, não? Acompanhe nas seguintes estatísticas o quão sérvia, o quão bósnia, o quão croata eram as seleções iugoslavas.
    A primeira: a seleção que jogou a Copa de 1930, no Uruguai. Fez uma grande campanha e chegou às semi-finais. Começou caindo no grupo de Brasil e Bolívia. Estreia em copas vencendo o Brasil por 2x1 e goleando a Bolívia por 4x0, se classificando para as semifinais, nas quais enfrenta o poderoso Uruguai de Cea, Scarone e do "Manco" Castro, que não tinha uma mão. Porém, como podemos ver, era praticamente uma seleção sérvia.


      Dos 17 jogadores, 14 eram sérvios, 1 voivodinense (que ainda hoje são sérvios), 1 montenegrino (que até poucos anos também seria sérvio) e um cuja origem é desconhecido, devido ao acesso a informações ser mais precário na época.
    Nas eliminatórias para a Copa de 1934, cai no grupo de Suíça - que sai vencendo por 2x0 mas deixa empatar - e Romênia, Após a derrota para Suíça, a mesma enfrenta a Romênia, que também abre 2x0 na Suíça e deixa empatar. No entanto, a Romênia usou um jogador irregular, portanto o resultado ficando 2x0 para a Suíça, que se classificou. Então Romênia e Iugoslávia jogam - em Bucareste, capital romena - o último jogo, valendo vaga. A Iugoslávia tinha a vantagem do empate e estava exercendo até os 29 do segundo tempo - quando o austro-húngaro de nascimento Dobay marcou 2 a 1 para os romenos. Como o placar se manteve, os romenos se classificaram e os iugoslavos ficaram a ver navios.
    Já em 1938 nas eliminatórias enfrenta a Polônia. Na ida, em Varsóvia, toma acachapantes 4x0 (com um gol de Ernest Wilimovski, que depois faria 4 gols na seleção brasileira num histórico jogo vencido pelos brasileiros por 6x5), ganhando de 1x0 na volta e sendo eliminada pela média de gols.
    Em 1950, no pós-guerra e já vivendo sob um o domínio titoísta, caem no mesmo grupo da fraca seleção israelense nas eliminatórias. Vencem os dois jogos - por 6x0 em casa e 5x2 fora - e partem para enfrentar a França. Empatam por 1x1 tanto em Paris como em Belgrado, e partem para um emocionante jogo-desempate em Florença, na Itália. Mijahlovic abre o placar aos 12 minutos, com Walter empatando um minuto depois para os franceses. Aos 38 do segundo tempo Luciano vira o jogo para os jogadores da terra de Asterix e Obelix. Quando tudo parecia estar perdido, Mihajlovic novamente marca, de pênalti, levando para a prorrogação. Aos 9 minutos do segundo tempo da prorrogação, o croata Cajkovsi faz gol, este que carimba o passaporte iugoslavo rumo ao Brasil. A origem de seus jogadores era a seguinte:


       Como pode ser visto, um grande domínio de jogadores croatas, com um número considerável de sérvios e voivodinenses. Também há uma pequena presença de bósnios e ainda um jogador de origem incerta. Nesta edição caiu no grupo de Suíça, México e Brasil, e venceu os dois primeiros (os suíços por 3x0 e os mexicanos por 4x1), jogando a vida ou morte contra o Brasil. Tendo a vantagem do empate, perde por 2x0 com gols de Ademir de Menezes e Zizinho (futuros artilheiro e melhor jogador da Copa, respectivamente) e pára na primeira fase.
     Em 1954 uma classificação foi possível, caindo no grupo de Grécia e Israel. Venceu todos os jogos pelo placar mínimo - todos gols marcados por jogadores diferentes. Se nota uma estrutura muito parecida em questão de origens, praticamente inalterada.


Somente duas diferenças: um sérvio a menos, enquanto tivemos a adição e um montenegrino de mais um voivodinense. Pegou também um grupo quase idêntico ao de 1950: Brasil, México e França. No entanto, desta vez conseguiu se classificar após vencer a França e empatar com o Brasil. Nas quartas-de-final enfrentou a poderosa Alemanha de Rahn e Fritz Walter e foi eliminada, numa derrota por 2x0.
    Vivendo uma boa geração, a classificação para a Copa de 1958 aconteceu de maneira emocionante. No mesmo grupo de Grécia e Romênia, vinha de dois empates fora de casa e uma vitória em casa até o jogo final, contra a Romênia, valendo vaga, em Belgrado, capital iugoslava. Tendo que vencer, Milutinovic, um dos grandes craques iugoslavos, marcou os dois gols, Porém, o time era muito diferente - falando em questão de origens.


    Houve uma diminuição grande do número de croatas, havendo um aumento de voivodinenses e principalmente de montenegrinos. Caiu no mesmo grupo de Paraguai, Escócia e a temível França de Piantoni, Kopa e Fontaine, vencendo a mesma por 3x2 e passando de fase em segundo lugar, com mais dois empates - o último emocionante, um 3x3 contra os paraguaios. Nas quartas enfrenta novamente a Alemanha e perde de novo, novamente com gol de Rahn, desta vez o único da partida.
     1962: fez a segunda melhor campanha da sua história, ficando em quarto lugar. Começa as eliminatórios no grupo de Polônia e Islândia, que viria a desistir. Contra a Polônia empata fora e vence em casa, passando para o jogo com a Coréia do Sul - um grande jogo com um fundo ideológico, sendo que a Coréia do Sul havia passado por uma guerra com o vizinho socialista Coréia do Norte. Vence os dois jogos com facilidade, 5x1 em Seul e 3x1 em Belgrado. Seu time era assim:


    Desde o começo você deve estar pensando porque havia um quadro para jogadores alemães e italianos. Aqui ele começa a fazer sentido. Petar Radakovic nasceu em Fiuma, na Itália. Apesar de hoje fazer parte da Croácia, ainda fala um dialeta do veneziano. Esse equipe iugoslava era a mais diversa, havendo gente de todo lugar - menos da Eslovênia. Se destaca o grande número de sérvios e bósnios. Na fase de grupos enfrentou o Uruguai, a Colômbia e ninguém menos que a poderosa URSS de Lev Yashin. Estreia perdendo para a URSS, depois vencendo o Uruguai por 3x1 e goleando a Colômbia por 5x0, selando a classificação. Após a classificação para as quartas de final, enfrentou quem? Isso mesmo, pela terceira vez seguida, a Alemanha. Desta vez, conseguiu vencer por 1x0  num jogo disputadíssimo - o gol da vitória veio aos 40 do segundo tempo - porém levou 3x1 nas semifinais da Tchecoslováquia de Masopust, Schrojh, Popluhár e Pluskal. Na decisão de terceiro lugar, perdeu para o anfitrião Chile pelo placar mínimo, com um gol aos 45 do segundo tempo.
     Após duas edições fora das copa, voltou a disputador a mesma em 1974.


     Em 1966 cai no grupo da fraca Luxemburgo, além de Noruega e da poderosa França. Com duas derrotas fora de casa fica em terceiro lugar e não consegue se classificar.
     Já na próxima edição, em 1970, fica no mesmo grupo de Bélgica, Espanha e Finlândia. Apesar de golear a Finlândia duas vezes - 9x1 e 5x1- se complica contra a Espanha e acaba em segundo lugar, ficando de fora.
     Na outra edição das eliminatórios, em 1974, fica no grupo de Espanha e Grécia. Empata com a Espanha em pontos e vence o jogo-desempate contra a mesma em Frankfurt, por 1x0 e garante sua vaga na Copa.
     Outra vez com um equipe muito diversa (no entanto com muitos sérvios), caiu no mesmo grupo de Brasil, Escócia e Zaire. Passou em primeiro lugar, metendo históricos 9x0 na seleção do Zaire. Na segunda fase, caiu no grupo da poderosíssima Alemanha Ocidental, de Sepp Maier, Beckenbauer, Gerd Müller e cia, a Polônia de Tomaszewski, Zmuda, Deyna, Szarmach e o artilheira da copa, Lato, além da Suécia. Ficou em último no grupo e não foi às semifinais.
     Em 1978 fica no grupo de Espanha e Romênia. Vivendo grave crise no futebol, só consegue uma vitória - um histórico 6x4 contra a também socialista Romênia em Bucareste - e fica na lanterna do seu grupo, nem passando perto de disputar a Copa.
    Mas em 1982 a vaga vem, e de maneira gloriosa. Caindo no grupo de Luxemburgo, Grécia, Dinamarca e a poderosíssima Itália (que viria a ser campeão da Copa) e passa em primeiro lugar, vencendo 6 jogos (3 por goleada), empatando um e perdendo apenas um, para a Itália em Torino, empatando a volta em casa. Caindo no grupo de Espanha, Irlanda do Norte e Honduras, decepcionou. Empate com os irlandeses, derrota para os espanhóis e vitória apenas contra a fraca Honduras - com um gol de pênalti aos 43 do segundo tempo, ficando em terceiro lugar e então desclassificado. Outra vez diversa, porém com alto número de bósnios e croatas, sua composição era a seguinte:


     Em 86, não conseguiu a classificação. Caindo no grupo de Luxemburgo, Alemanha Oriental, Bulgária (que dentro do país começava a se destacar o futuro craque Stoichkov) e a França de Platini. Decepciona perdendo os dois últimos jogos - o último, contra a França em Paris, dava a vaga com vitória eslava - e ficando apenas em quarto lugar. Porém conseguiu em 1990, formando um de seus maiores times da história. Começou as eliminatórias no grupo de Chipre, Noruega mais a poderosa França e a sempre chata Escócia. Não só se classificou líder como invicto, com vitórias em todos jogos menos em Glasgow e em Paris. Caindo no mesmo grupo da futura campeão Alemanha Ocidental de Matthaus e da Colômbia de Higuita, Escobar, Valderrama e Rincón, se classificou em segundo lugar. Após ser goleada por 4x1 pela Alemanha, venceu a Colômbia e goleou os fracos Emirados Árabes Unidos, num jogo em que não ser goleado bastava para classificação. Quem comandou o show foi Pancev, com dois gols. Nas oitavas de final, ganhou da Espanha, com dois gols de Stojkovic, um no tempo normal e um na prorrogação, tendo perdido nas quartas para a Argentina de Maradona, ainda que somente nos pênaltis, em que o goleiro sulamericana Goycochea - que depois viria ter uma curta carreira no Internacional - brilhou, defendendo as cobranças de Brnovic e Hadzibegic. Seu time era assim:


    A última copa disputada pela Iugoslávia só não tinha kosovares, porém havia um alemão, Prosineki. Além dele, havim grandes jogadores como Stojkovic, Boksic e o futuro artilheiro de Copa do Mundo Davor Suker. Havia também um esloveno - apenas o segundo a disputar uma copa com a camisa da Iugoslávia. Em junho de 1991, a Eslovênia e a Croácia declaram independência. Embora a guerra com os eslovenos tenha durado apenas 10 dias, a com a Croácia se tornou um conflito muito sangrento, e a com a Bósnia Herzegovina um conflito mais sangrento ainda, emq ue a Iugoslávia, na época comandada pelo sérvio genocida Slobodan Milosevic, fez horroes com o poovo bósnio, que até hoje vive dividido e em estado de tensão racial. Devido às guerras, foi banida da Copa de 1994. Após as guerras acabarem em 1995 (curiosamente, a Macedônia se separou sem tanto alarde), a Iugoslávia ainda disputou a Copa de 1998, porém já sendo nem sombra do que foi, sendo reduzido apenas à Sérvia, Montenegro, Kosovo e Voivodina. Acumulando todas as participações em copas, temos a seguinte disposição:


     Croatas e eslovenos empatam em número de jogadores (croatas vencem se considerar Fiume como Croácia), milhas a frente dos segundos colocados, bósnios. Seguidos de voivodinenses, montenegrinos e então um equilíbrio muito grande entre o número de jogadores de outras nações.